Se, por um instante,
Deus se esquecesse de que sou uma
marionete de trapo e
me presenteasse com um pedaço de vida,
possivelmente não diria tudo o que penso,
mas, certamente,
pensaria tudo o que digo.
Daria valor às coisas,
não pelo que valem,
mas pelo que significam.
Dormiria pouco, sonharia mais,
pois sei que a cada minuto que
fechamos os olhos,
perdemos sessenta segundos de luz.
Andaria quando os demais parassem,
acordaria quando os outros dormem.
Escutaria quando os outros falassem e
gozaria um bom sorvete de chocolate.
Se Deus me presenteasse com
um pedaço de vida,
vestiria simplesmente,
me jogaria de bruços no solo,
deixando a descoberto não
apenas meu corpo,
como minha alma.
Deus meu, se eu tivesse um coração,
escreveria meu ódio sobre o gelo
e esperaria que o sol saísse.
Pintaria com um sonho de Van Gogh
sobre estrelas um poema de
Mário Benedetti e
uma canção de Serrat seria a
serenata que ofereceria à Lua.
Regaria as rosas com minhas
lágrimas para sentir a dor dos espinhos
e o encarnado beijo de suas pétalas.
Deus meu, se eu tivesse
um pedaço de vida.
Não deixaria passar um só
dia sem dizer às gentes
- te amo, te amo.
Convenceria cada mulher e
cada homem que são os meus favoritos e
viveria enamorado do amor.
Aos homens, lhes provaria
como estão enganados
ao pensar que deixam de se
apaixonar quando envelhecem,
sem saber que envelhecem quando
deixam de se apaixonar.
A uma criança, lhe daria asas,
mas deixaria que aprendesse
a voar sozinha.
Aos velhos ensinaria que a
morte não chega com a velhice,
mas com o esquecimento.
Tantas coisas aprendi com vocês,
os homens...
Aprendi que todo mundo quer viver
no cimo da montanha,
sem saber que a verdadeira felicidade
está na forma de subir a escarpa.
Aprendi que quando um recém-nascido
aperta com sua pequena mão pela
primeira vez o dedo de seu pai,
o tem prisioneiro para sempre.
Aprendi que um homem só tem
o direito de olhar um outro
de cima para baixo
para ajudá-lo a levantar-se.
São tantas as coisas que pude
aprender com vocês,
mas, finalmente,não poderão servir muito
porque quando me olharem
dentro dessa maleta,
infelizmente estarei morrendo. " ( Márcio Moreira Alves, na sua coluna de "O Globo". )